#07 Eu não sabia que era uma garota até me odiarem por isso.
Você fala como se fosse diferente, mas no fundo é igualzinha.
Primeiro, uma nota de agradecimento.
Bianca, obrigada por me apoiar no Apoia-se. Mas mais do que isso, obrigada por me apoiar na vida. Tem gente que aparece no nosso caminho como farol, como espelho, como abraço. Você é tudo isso. Toda vez que você me apoia, eu me sinto menos sozinha no mundo, menos bicho esquisito, menos pedaço solto. Você me lembra que ser de carne, osso e sentimento ainda é possível — e ainda é bonito. Na vida, a gente esbarra nas pessoas certas de vez em quando, e é precioso demais quando esse encontro acontece através da arte. Eu tenho certeza que a gente é alma gêmea perdida, dessas que se encontram quando já estão prontas para se reconhecer. Obrigada por existir do meu lado. Eu admiro muito você.
— Com todo amor, Lara!!
Há algum tempo atrás eu finalmente racionalizei uma sensação social como quem tira a pata de um elefante do próprio peito — percebi que nunca me reconheci como uma garota. Sim, eu me identifico como uma mulher, e hoje, aos meus vinte e um, tenho cada dia mais certeza de quem sou como pessoa e me sinto mais liberta para poder explorar uma identidade constantemente mutante. Eu me permito existir — e errar nisso.
O que aconteceu comigo foi que eu cresci sendo filha única, de uma mãe que nunca se importou com como eu seria vista por uma sociedade interiorana exigente — contanto que eu fosse uma boa pessoa. Ela me deixava pintar as unhas de cores que as outras mães da escolinha julgavam vulgares, entrou na minha onda de cabelo colorido, me deixou fazer uma tatuagem de henna e comprou todas as roupas com caveira possíveis durante a minha dolorosa, mas necessária, fase emo. Cresci também ao lado de um pai que, em seus maiores sonhos, gostaria que eu amasse videogames e, como ele, lutasse jiu-jitsu. Como entrei tarde na escola por conta de uma proteção materna, passei meus primeiros anos isolada em casa — uma criança que usava escondida os tamancos da mãe, mas também dividia momentos de molecagem com o pai. A ideia de gênero na minha vida até então era praticamente nula.
É claro que toda a família fazia questão de me tratar como uma princesa — uma que um dia seria uma bela esposa. Me presenteavam com brinquedos nos quais eu precisava ser mãe, dona de casa, e às vezes até as duas ao mesmo tempo (o verdadeiro Bebê de Rosemary), e, obviamente, todas as animações, músicas e jogos reforçavam a maior divisão de gênero possível, tentando me avisar qual seria o meu lugar no mundo. Ainda assim, as linhas invisíveis entre homens e mulheres não eram uma preocupação minha. Nada parecia tão claro. Eu acreditava, de forma genuína, que todas as crianças pensavam como eu.
Eu era uma pessoa acima de qualquer coisa, acordava como um alguém e ia dormir como uma junção até que complexa demais de átomos. Era isso. Pra mim, a vida como uma garota só começou quando eu me relacionei pela primeira vez com o mundo externo, e ele me devorou viva.
No primário, eu conheci a primeira garota maldosa cuja sombra me perseguiria pelo resto da vida. Ela parecia um anjo — andando em câmera lenta, flutuando pelos corredores escuros e mofados da escola. Com seus saltinhos que batiam no chão, cachos perfeitos nos cabelos e uma popularidade absurda, ela me provocava uma sensação estranha na boca do estômago. Principalmente porque nós dividíamos uma amiga em comum — muito querida pra mim na época — que adorava me ter por perto, mas parecia adorar ter ela mais. A garotinha em questão me incluía no grupo só pra me ignorar. Fazia comentários sutilmente cruéis sobre a minha aparência, organizava votações nas brincadeiras de fim de semana para que eu fosse a pior personagem do faz de conta, e reclamava da minha personalidade enquanto revirava seus impecáveis olhos castanhos claros.
Em uma tarde, a minha amargura de criança cresceu tanto que eu tive a coragem de roubar exatos R$1 da bolsa dela. O geladinho cor azul radiação que era vendido na cantina — por coincidência — também era R$1. Então você pode imaginar quais eram os meus planos.
Foi com ela que eu aprendi sobre o mundo passivo-agressivo no qual nós, mulheres, vivemos. Quase como um ritual de passagem, fui convertida — e passei a destratar também outras garotas. Eu as olhava de cima a baixo e pensava sobre elas mais do que deveria. Quanto mais livres sexualmente e socialmente elas eram, mais eu adoecia. Enquanto me masturbava nas madrugadas escondidas, criando os cenários mais sujos da minha imaginação, e me sentia invadida por uma culpa quase religiosa depois de gozar, a possibilidade de que elas fossem queridas por qualquer pessoa fazia a minha carne sucumbir. Elas riam alto e parte de mim queria morrer. Elas olhavam pra mim e eu tinha certeza de que me odiavam tanto quanto eu as odiava. Todas eram magras demais, viviam em classes altas demais, pareciam interessantes demais.
Aceitei que as mulheres nasciam seres cruéis por natureza, que não poderiam ser confiáveis. O ódio que eu recebi havia se tornado mais ódio. Um comentário que saia da boca de uma garota poderia — e iria — doer bem mais do que vinte mil homens gritando aos pés dos meus ouvidos.
As mulheres têm uma forma peculiar de machucar umas às outras. De enviar indiretas e olhares que poderiam te cortar ao meio e te expor em praça pública para que vissem tudo. Te dissecam como anatomistas profissionais, cortando onde sabem que dói pois doeria nelas também. Somos da mesma casta, e sabemos o quanto custa viver nela. No fundo, todas temos consciência de que a nossa própria existência vale muito pouco. Por isso não adiantaria tentar escalar um homem: é mais fácil escalar alguém que, igual a você, vai chegar mais tarde em tudo.
Quando eu tinha por volta de uns treze anos, eu pesava 20 kg a mais e media exatos 1.76 — a mesma altura que permanece até hoje. Apesar de me interessar por maquiagens e vestidos, enterrei essa parte de mim a fim de servir a uma rebeldia que iria negar todas as representações de uma mulher "mulherzinha" demais. Então, a minha aparência era sempre a pior. Eu não me importava em como meu cabelo chegaria em casa depois da escola, se estava suado e com os cachos amassados. Não queria saber se meu moletom era horrendo, minhas pernas viam a cera duas vezes por ano, e se algum produto de skincare poderia realizar qualquer milagre, em mim é que ele não iria querer. Uma porca em formato de mulher — é o que diriam por aí.
Como poderiam os meus primeiros anos de formação serem tão vazios de um propósito sexual e patriarcal? Eu era desorganizada demais pra sentir que poderia um dia pertencer a um mundo onde tudo era sempre tão delicado e tão pequeno. E as minhas amigas pareciam me olhar como quem observa um corpo em deterioração: com nojo.
Lembro de uma noite na piscina, quando uma delas me olhou tão horrorizada pelo meu conjunto de sutiã e calcinha bege, que não se conteve em não comentar. Era, de fato, muito feio, apesar de sempre tão confortável. O problema é que eu acreditei que ali poderia ser um lugar seguro, onde eu não precisaria performar uma sensualidade cansativa. Errei feio. Parecia que quanto mais elas poderiam se comer com os olhos, mais uma entidade masculina surgia em seus rostos e dominava suas mentes e o ambiente.
E depois de alguns anos sem ser afetada pelo olhar feminino, o universo decidiu enfiar mais um alfinete na minha ferida ainda tão aberta.
Eu entrei no Substack em março, no mesmo dia em que publiquei o meu primeiro ensaio. Ele foi muito mais bem recebido do que a minha grandiosa imaginação poderia projetar. Nunca pensei que criaria uma comunidade minha — que pessoas de fato leriam o que eu escrevo, me enviariam mensagens todos os dias, e que eu me cercaria de tanta admiração por quem também leio e acompanho aqui.
A minha vida inteira eu sou primeiro uma leitora, depois uma escritora. E a cada ano que passava eu me perguntava quando seria a minha hora de levar isso a sério — de tornar isso um ofício do qual eu poderia me orgulhar. Aqui, essa vontade se concretiza cada dia mais. Eu me apaixonei pela ideia de ter contato com pessoas que são como eu. Vivo mandando mensagens pra vocês, peço seus números pessoais, troco experiências, e até que de forma dissimulada, os elogio infinitamente — e genuinamente.
Há alguns dias, em uma outra rede social também cercada de pessoas daqui, uma cena de rivalidade feminina me ocorreu.
Com toda a minha afobação diária e a neura constante, eu admito que falo demais. Dentro dos limites que os direitos humanos me permitem eu comento sobre tudo. E, em uma tarde qualquer, publiquei algo que escrevi mais rápido do que pensei. Falei sobre como é humilhante assistir mulheres demarcando território em cima de homens que sequer são seus namorados, ao invés de irem viver uma vida com mais propósito.
Era véspera do Dia dos Namorados, e a gente sabe como funcionam os ficantes premium que orbitam a nossa realidade. Juram por Deus que um dia vão receber um santificado anel de compromisso — e parecem ter só essa ambição na vida. O assunto já martelava na minha cabeça fazia dias. Ouvi na TV sobre um contrato de namoro, da minha mãe sobre uma fofoca, e de outros conhecidos histórias parecidas. Meu comentário foi direcionado às mulheres, porque eu sei que somos tão mais capazes, tão mais inteligentes, tão mais fortes, para continuar sonhando com um príncipe encantado.
Foi isso. E aí tudo foi por água abaixo.
Se você tem o mínimo conhecimento sobre o mundo virtual, sabe que o algoritmo te conecta com as pessoas-que-seguem-as-pessoas-que-você-segue. Uma desgraça sem fim. Pelo menos pra mim — que, na mesma madrugada, enquanto rolava deliberadamente um feed podre, de uma rede social que eu já havia prometido deletar no dia seguinte (e até publicado sobre), li um post que parecia ser uma resposta perfeita pro meu, de uma mulher que eu já havia visto antes aqui no Substack.
Enquanto entrava no perfil dela, pensei: não pode ser, ela nem me conhece. Porém, com poucas informações, percebi que um dos escritores que admiro na plataforma tinha algum tipo de envolvimento emocional com ela — do qual eu não sei, e nem tenho o direito de nomear aqui, pois não é da minha conta. Mas então eu pensei: ah.
Ela poderia contar a versão que quisesse — aquele post era pra mim. Ali sequer existia uma plantação verde que seria colhida madura. Era tão óbvio. Eu já sofro de uma mania cômica de perseguição, somada a uma grandiosidade que me permite acreditar que os melhores elogios e os piores xingamentos só poderiam se dirigir a mim. Mas tirando essa minha crença de que eu sou o centro do universo, uma mulher vinte anos mais velha que eu praticamente cuspiu o meu RG em uma resposta que eu nem quero repetir — mas que, basicamente, me acusava de desejar um homem cuja existência eu só me lembrava cada vez que ele passava pelo meu feed. Todos os pontos que eu havia feito foram rebatidos em poucas e incrivelmente pessoais palavras. Descendo um pouco mais o perfil dela, percebi que em uma publicação antiga — de poucos dias antes — a mensagem era a mesma, e até mais violenta. E eu surtei.
Na vida, uma mulher entende que ela pode ser duas coisas, e duas coisas apenas: a esposa, ou a vagabunda da amante. E conforme se cresce ouvindo comentários desgastantes sobre como nós somos interesseiras, quase monstruosas, mas que — se andarmos em uma corda bamba por tempo o suficiente — poderíamos ser vistas como castas e dignas de sermos apresentadas para uma nova família, a internalização disso faz com que escolhamos um lado. E enquanto eu relia tudo que tinha sido escrito por ela, mergulhei em um espiral de angústia que me levava de volta para onde evitei ir por muito, muito tempo.
Eu descobri cedo demais que o meu pai traía a minha mãe. Não parecia ser segredo pra ninguém que o homem que me apresentou para uma das suas amantes, em uma festa de fim de ano da empresa, que tinha praticamente a minha idade, era um adúltero. Vi a minha mãe xingar, chorar, morrer de amores, descobrir coisas piores, enviar áudios longos e emotivos, implorar, ignorar, odiar, tentar salvar seu casamento, perdoar e pedir — tudo de novo, em um looping demoníaco que dura até hoje. E tudo que eu senti, apesar de grande demais, precisou ser abafado por ser julgado não ser da minha conta — como algo que tomaria um espaço que não era meu. Assim, guardei. E sei que toda a responsabilidade é dele, mas só Deus sabe como essas mulheres foram cruéis com a minha mãe, que não fez nada além do melhor que ela pôde, e que, acima de tudo, foi e continua sendo uma santa de uma mãe. Sabiam que machucavam uma mulher apaixonada e continuavam por pura vaidade.
Mesmo criança, eu havia definido o meu lado. Eu não seria nem a esposa, nem a amante — eu seria eu. Fugiria de qualquer termo que me encaixasse dentro da vida dupla do meu pai ou da pureza da minha mãe. Dentro do meu coração, criou-se um ódio envenenado por tudo que girava em torno desses dois conceitos. Eu não queria me sentir uma grande otária e doar todos os meus pedaços mais sensíveis de mãos beijadas para alguém, mas eu jamais aceitaria ser sacana e carregar o gosto amargo de ser a filha do meu pai — a que tem os traços dele, sua raiva e seus rastros.
Ao longo dos meus flashbacks de guerra, eu ia digitando uma indireta cheia de desculpas pra ela. Meu raciocínio era que, provavelmente, ela achava que eu tinha enviado uma mensagem anônima publicada numa página que elogiava o cara descaradamente. Eu estava no escuro, dolorida, obrigada a reviver um dilema traumático. Afinal, quão patética eu preciso ser para que as palavras de uma completa desconhecida ecoem como marretadas no meu peito?
No meu desespero, eu menti.
Não posso enganar vocês aqui, eu sou meio burra. Uma criatura estranha nasce dentro de mim sempre que eu preciso me defender. Ela me dá um branco na mente, me deixa suando frio, não convoca as melhores palavras pra que eu possa usufruí-las — ela me sabota. Na hora, pensei que seria melhor dizer que o que escrevi era sobre uma colega inexistente, do que admitir que aquilo saiu dos meus pensamentos intrusivos porque sou uma grande idiota. Que algo meu foi aleatório e infantil para quem parece levar uma rede social tão a sério. Sofrendo para provar a dois estranhos que eu não era como as amantes de um pai que eles jamais conheceriam, embarquei em postagens exageradas, criando uma rivalidade que nem sequer havia nascido de mim.
Ser comparada a tudo que mais me tirou a ideia de uma família perfeita me fez chorar um pouco e dormir exatas três perturbadas horas naquela noite. Eu não tinha culpa — e sabia disso —, mas não conseguia evitar me perguntar se essa genética vagabunda do meu pai não tinha me infectado sem que eu percebesse. Será que, pelo menos uma vez, eu realmente não olhei para um homem comprometido com desejo de tirá-lo de outra? Será mesmo que eu não dei uma ideia de segundas intenções, e ela tem todo o direito de me pregar em uma cruz? As perguntas surgiram e eu perdia o ar com as memórias da minha mãe chorando em sua cama. Eu não poderia aceitar que alguém no mundo me visse como aquilo que eu mais repudiei. Me peguei sentenciada, subjugada como uma traidora conflituosa que deveria ser exposta e maltratada.
Quando eu deito o meu corpo debilitado, primeiro pra me acalmar e depois pra tentar dormir, eu planejo o dia em que vou incorporar Leonard Cohen — uma das minhas maiores inspirações. Fantasio viver um ano num mosteiro, raspar a cabeça (coisa que ela nem precisava desejar se soubesse que eu, talvez ainda mais ridícula do que ela imagina, sempre quis ser careca), e me alimentar apenas de sol, silêncio e escrita. E no meio desse meu ritual noturno, uma mulher, sem provas, e com a desculpa de estar protegendo a sua relação, rivalizou cada passo que eu dei.
Humilhar outra mulher é se defender, é trend, é inteligente, é esperto, é tomar cuidado e estar acima dela, é um conceito.
Se ela desejava me chamar de algo a mais do que apenas descompensada, poderia apenas me chamar pra conversar. Eu tenho mais um milhão de adjetivos para que ela possa usar. Quando eu tive as minhas primeiras sessões com a minha primeira terapeuta (que Deus a abençoe e tire ela do bolsonarismo), ela me disse: "Lara, você é neurótica". Ali eu soube — eu era maluca, só nunca tão maldosa. Me lembrei duas manhãs seguintes, de que apesar da minha reação, eu não era quem as pessoas achavam que eu era, mas as pessoas são quem elas acham que eu sou. E eu não sou os meus pais, e nem suas decisões pessoais.
E com a mesma sensação no estômago que eu sentia quando era uma garotinha — quando nadei em uma piscina de vergonha diante das palavras passivo-agressivas de outra mulher —, eu percebi que nunca odiei mulher nenhuma. Eu odiava ter sido treinada para odiá-las. Odiava ser lembrada de que eu não podia existir sem pensar nas consequências. Odiava que o mundo me enxergasse primeiro pelo meu gênero, depois por quem eu era. Odiava entrar em um lugar e não saber qual projeção outra mulher colocaria em mim dessa vez, e como isso, invariavelmente, me diminuiria até o tamanho de um grão. Odiava competir em uma disputa sem vencedores.
No final, ser mulher é suportar que te vejam por tudo — menos por quem você é.
Ps: Criei uma playlist pra essa newsletter porque eu sou ridícula e acho que tudo merece trilha sonora, inclusive surtos emocionais públicos. Se quiser me ouvir até quando não tô falando, pra você:
(e se não quiser, vai acabar ouvindo de qualquer jeito, o algoritmo me ama e eu faço questão de gemer os meus maiores incômodos no seu fone.)
E se você gosta de ler isso aqui e não me dá um centavo, você tá errada. No apoia-se eu aceito de tudo: esmola, pix de ex, e até aquela parcela da terapia que você já desistiu: Neuróticos Apoia-se.
Ah, e se você ainda não comprou meu crochê, só lamento por você. Sério, eu sou boa pra caralho no que eu faço, e você podia estar andando por aí com uma obra minha no ombro. RIOT.
poxa como assim a primeira música da playlist não é girl so confusing
antes de tudo: Lara, pode contar com o meu apoio para o que precisar. te encontrar aqui foi uma daquelas coincidências transformadoras, aquele acaso que muda para sempre nossas perspectivas. você consegue traduzir, a partir de si mesma, tudo o que eu penso e sinto. te admiro profundamente, anseio para ler seus novos trabalhos e torço para que você alcance mais pessoas porque o que você faz é único. 💗
seu texto é incrível! você conseguiu representar perfeitamente o sentimento claustrofóbico que temos ao nos reconhecermos mulheres e inimigas. não porque somos, mas porque "devemos". também tive na minha vida a amiga que me tinha ao seu lado, mas sonhava em estar ao lado da popular garota branquinha de longos cabelos lisos que me fazia de chacota na turma. os garotos que usavam meu nome como xingamento. também descobri o que é ser uma mulher através do ódio e da exposição. da humilhação, da degradação, de ter que ceder e permitir todo o tipo de violência contra mim mesma para receber minha cota de dignidade e merecer ser uma "namorada". e mesmo assim conheci a traição; todas, de todas as formas. descobri que era mulher quando fui destruída. e sofri muito por isso, assim como você, assim como todas nós, que nos encolhemos e, depois de tanta briga, arranhão, puxão de cabelo, paramos e pensamos: por quê?
não sei quem te atacou, nem as justificativas, mas saiba que toda ação de alguém é também um reflexo do que há dentro dela. ela te ataca por algo que a habita. sinto muito por todos os traumas que somos forçadas a lidar, a aceitar, a desejar para poder sermos a mulher "de valor". sinto por você, por sua mãe, por mim e por minha mãe, também, por todas as mulheres que lerão esse texto e as que não lerão. mas fico grata por você poder ter encontrado esse lugar, ter encontrado a nós, seus leitores, e ter podido fazer da escrita o seu refúgio, seu descarrego, seu expurgo. o que você escreve é potente e avassalador. os deslizes acontecem, somos cheias de contradições, mas não se martirize. você só está sendo real. e disso, está nascendo algo belo. mesmo diante de tanta dor, nós resistimos e conseguidos trazer aos outros, em nossas palavras, consolo, afeto e admiração. muito obrigada por escrever com tanta verdade. 💗